Nossa Terra Nossa Gente : O DOCE SONHO DAS IRMÃS MARTINS RANDES

A imagem é surreal: no pórtico de entrada do Bosque da Princesa, de sexta a domingo, elas sempre estão com a haste colorida repleta de um inesquecível sonho de infância: algodão doce. Branco, amarelo, azul ou rosa? Você escolhe!

Eu sempre escolho o branco. Essa cor de algodão doce me remete a uma memória afetiva da infância, quando a mãe de minha melhor amiga comprou uma máquina de fazer algodão doce e passou a comercializá-lo em nossa cidadezinha. Uma deliciosa novidade! Curiosa que só, eu sempre ficava observando o funcionamento daquela engenhoca: os grãos de açúcar caíam dentro de um recipiente circular e, após uma rotação manual, da borda dessa bacia de alumínio ia se desprendendo um tecido branquinho feito neve, uma nuvenzinha delicada de algodão, de algodão doce!

Lembrança que guarda sua doçura na boca do tempo: as crianças faziam fila aguardando a vez de comprar. O chumaço de doce era entregue em nossas mãos – acomodado por um pedacinho de papel de embrulho, o papel de pão. Hoje, não mais: o algodão doce é comercializado colorido artificialmente, embalado em saquinhos de plástico e com brindes para atrair a clientela: bexigas coloridas, máscaras de princesas ou de super-heróis e outros mimos.
Nas ruas de Pindamonhangaba, geralmente, os vendedores de algodão doce comercializam o produto para terceiros.

É o caso de Cristina e Geny. Elas não têm máquina própria e, por isso, vendem para um fabricante.
Só de vê-las com a haste colorida de algodão doce no portão de entrada do Bosque da Princesa, uma voz que vem do fundo de minha alma pede-me para parar e dar um dedinho de prosa com elas. Eu acato. Afinal, hoje é domingo, deixei a pressa cochilando na rede da varanda e vim para a rua flanar.

O par de olhos azuis das irmãs Martins Randes esconde segredos do céu de suas infâncias que afetaram profundamente minha alma. Órfãs pela morte inesperada de seus pais, elas foram criadas pelas irmãs vicentinas do Educandário São Vicente de Paulo, a Casa Pia Cônego Tobias. Chegaram ao orfanato com 5 e 7 anos e, lá, juntamente com duas outras irmãzinhas, Teresa e Margarida, aprenderam a ler e escrever, fazer limpeza e cozinhar. Os irmãos Ari e Antônio foram criados pelos freis franciscanos do Lar São Judas Tadeu.

Do orfanato, rememoram com saudades as aulas de Catecismo e os passeios de carro com a Irmã Therezinha. “Alma boa, anjo do céu na terra”, me disse Geny. Mas, ao completarem 18 anos, a sentença de todo casa de abrigo para menores: tiveram de deixar o educandário e foram trabalhar em casa de família até o dia que se casaram e constituíram suas famílias.

Cristina tem quatro filhos; Geny, seis filhos e três netos. O comércio de algodão doce, de segunda a segunda (nos dias da semana, Cristina fica na Praça Monsenhor Marcondes, em frente ao Banco do Brasil) é para custear as despesas da casa e da família.

As duas têm um grande sonho: Cristina tem uma deficiência auditiva e precisa de cuidados médicos para não perder a pouca audição que lhe resta do ouvido direito. Geny aguarda ansiosa a aposentadoria do marido. Na verdade, as “irmãs meninas da Casa Pia” precisam de anjos que possam ouvi-las para que seus pequenos sonhos possam se realizar!

Nossa prosa adentrou tarde afora e, num piscar de olhos, os portões do Bosque da Princesa encerravam o expediente de domingo e, elas, precisavam voltar para suas casas no Araretama. Antes de agradecê-las e despedir-me, peço-lhes que posem para uma foto. Cristina e Geny mais do que depressa se juntam, bem pertinho uma da outra. Do outro lado da lente, capturo a bondade e delicadeza de suas almas.

E, sem que elas percebam, deposito suas histórias na máquina de algodão doce da minha alma junto dos cristais de açúcar de seus sonhos. E rogo aos anjos do céu que teçam os sonhos das irmãs Martins Randes. Que eles sejam da cor de seus belos olhos – azuis –, e mais doces que os sonhos de suas infâncias.

  • Roberval E. de Godói