História : O maestro Carlos Gomes em Pindamonhangaba
Revendo a série de crônicas escritas neste jornal em 1963 pelo literato Balthazar de Godoy Moreira (1898/1969), destacamos as poéticas lembranças que ele cultuava do sobrado fronteiro à igreja matriz, casa onde nascera.
Segundo o escritor, o sobrado teve como “um dia ainda maior” (referindo-se aos festejos ali realizados) quando nele se hospedou o maestro Carlos Gomes, em visita à cidade no ano de 1880. (Segundo Athayde Marcondes, em Pindamonhangaba Através de Dois e Meio Séculos, essa visita ocorreu no dia 11 de setembro de 1880).
Sobre esta passagem relembra que da sacada do sobrado: “o insigne compositor que tanto elevara o nome do Brasil na Europa, no período áureo das óperas, ouviu a sinfonia do Guarani e trechos de mais músicas de classe, executados pela banda de música local, no coreto, embaixo”. Não cita o nome da banda, já Athayde, em seus escritos dedicados a este acontecimento, embora também não mencione (provavelmente foi a gloriosa Euterpe) exalta o nome do maestro pindamonhangabense João Gomes de Araújo na direção musical, das várias peças, inclusive na autoria do arranjo para a execução de “O Guarani”.
Prosseguindo os festejos, “houve banquete e baile. Saudou o visitante emérito – glória do Brasil de todos os tempos – o meu tio Miguel de Godoy. A menina Cecília Costa, mais tarde esposa de meu primo Plínio de Godoy – morreu senador estadual – e sua irmã Marieta recitaram poesias, dedicadas ao ilustre hóspede.”
Revelando que havia colhido os dados acima no livro de Athayde Marcondes (já mencionado), os complementando com outros que havia recebido de seus pais, fala que Athayde não mencionara,mas as poesias declamadas deveriam ter sido “da lavra do Dr. Gregório Costa”, o identificando com “um dos homens mais talentosos de Pinda”.
Balthazar acreditava que pelo menos naquela importante data para a cultura de Pindamonhangaba, os cidadãos esqueceriam os pensamentos contrários ocasionados pela diversidade política partidária, assim comentando o acontecimento: “…na cidade em florescência de cultura, todos deviam pelo menos nesse dia, estar de acordo. Pensando e sentindo do mesmo modo, afinados pelo mesmo diapasão. A efusão geral. Sem os desafinamentos que a política costuma por nas cousas ainda quando a melodia podia ser feita.”
Para Balthazar, a prova dessa sintonia foi reafirmada no dia seguinte ao baile em homenagem ao maestro autor de O Guarani, quando, com sua presença, foi realizada a inauguração de uma placa denominando uma das vias centrais de Pindamonhangaba de rua Carlos Gomes. Essa rua, atual “Marechal Deodoro” e que também se chamou rua da Estalagem, até o dia anterior à homenagem era chamada de rua da Constituição (ver Athayde Marcondes em Pindamonhangaba Através de Dois e Meio Séculos, 1922).
Essa honraria não durou muito tempo, e aqui é oportuno colocar na íntegra a crítica de Balthazar com respeito ao fato: “Mas oh! Como é frágil e fugaz a admiração dos homens! Não creio que isso seja um defeito privativo dos homens de minha terra, nem mesmo particular de seus homens públicos. Mas é bem velho na cidade.”
O motivo desse desabafo do cronista tem fundamento na mudança do regime monárquico para republicano, em 1889. Deixando entender seu descontentamento diante do ocorrido, Balthazar expressa alguma ironia em relação regime republicano: “…Assim que se fez a república foi arrancada a placa que enobrecia a via pública com o nome do imortal brasileiro. Um novo sol brilhava. Brilharia mesmo? E Carlos Gomes que apesar de artista e grande artista, tinha sentimentos, continuava a venerar o velho imperador quando todos lhe atiravam pedras. A nova placa, que está lá até hoje, tem o nome do proclamador da república.” O autor teria demonstrado, ao revelar sua contrariedade, pensamento semelhante ao de Athayde Marcondes, que em sua obra (já mencionada neste texto) disse: “A arte nacional e o notável cantor do Guarani, nada sofreram com essa mudança…”
Em suas contundentes considerações sobre a mudança do nome da rua, o poeta sonetista da clã dos “Godoy Moreira”, prossegue: “Os velhos pindamonhangabenses que confrontaram os dois regimes, passavam por ali, sorriam contrafeitos. Picava-os a pontinha de uma incômoda vergonha. Mesmo os que não tinham nada com o marechal. Não tinham nada com o soldado ilustre, apesar da República, mas lamentavam o artista assim desfeiteado na cidade que ele julgara tão culta e nobre e tão capaz de separa a arte da política.”
Revelou o cronista que aquilo de mudar de nome de rua vinha acontecendo já fazia tempo: “…Os muda-plaquinhas vinham de longe. E continuaram. Atuam nos acontecimentos públicos arrancando e pregando placas como quem etiqueta artigos de loja remarcando preços. E tudo para eles afinal não passa de preços. Preço e não apreço. Mal de quase todas as nossa cidades. Mas que eu não queria para a minha terra. Por que não se dar o nome da celebridade nova ou do cidadão que se deseja homenagear a uma das novas ruas?”
E aí ele cita algumas vias locais cujas denominações foram trocadas. “…A rua Prudente de Morais foi rua Conde D’Eu, colocando-se a placa quando o esposo da princesa esteve em Pinda. Veio a República, fora com a placa!” Aqui Balthazar se refere à visita da Princesa Izabel e de seu esposo, Gastão de Orleans, o conde D’Eu, a Pindamonhangaba em 1868 (acontecimento também já abordado por essa editoria de história) .