Proseando : O MENINO PASSARINHO

Toda palavra, antes de ser proferida, deveria passar por um processo de polimento e receber trajes de empatia. Se algum dia todas elas se vestirem com essa elegância, seremos uma raça evoluída.
Meses atrás reencontrei um amigo que não via desde os bancos escolares. Estávamos na fila do açougue. Depois do abraço fraternal e palavrões para expressar que estava feliz em me ver, convidou-me para passar o final de semana em sua chácara. Fui.

A esposa desgrenhada me recebeu aos gritos:
— Marido, chegou aquele seu amigo filho da…

Ela mordeu a última palavra, mas cuspiu a sujidade ao entrar na casa, em direção ao marido. Dizem que os semelhantes se atraem. Meu amigo sempre teve um vocabulário chulo. A cada dez palavras que proferia, onze eram indecentes. Só poderia ter se casado com outra boca de latrina.

A fim de me preservar das vulgaridades, pedi licença para conhecer a propriedade. Ele foi comigo, não consegui evitar.

Ouvindo um palavrão e outro, chupei laranjas, jabuticabas, ameixas. Quando passávamos por uma mangueira, ouvi belíssimos trinados. Comentei:
— Que sinfonia mais linda!!!
— Isso é uma tortura!
— Tortura? Isso é melodia para acalentar a alma.
— Você não sabe de nada! Vá tomar no seu…
— Ei! Tá maluco? Boca suja comigo, não! Se for desrespeitoso, ponho fim em nossa amizade agora mesmo.

Ele pediu desculpas, se distanciou e chorou.
Espiei a copa da mangueira e percebi um menino de cócoras num dos galhos. Era ele quem emitia belíssimos trinados.
— Quem é o menino?
Enxugando as lágrimas, murmurou:
— Meu filho.
Contou-me que fazia mais de mês que o filho morava na árvore.
— Que doideira! Por que ele age assim?
— Ele não diz. Não quer conversar comigo, nem com a mãe dele.

Pedi que meu amigo voltasse para a casa. Prometi que tentaria convencer o menino a voltar para o convívio familiar.
Precisei escalar a árvore. O menino era um passarinho arisco. Mas, com ternura, ganhei a confiança dele. Contou-me que, cansado das palavras sujas que os pais diziam, preferiu aprender a língua dos passarinhos. Prometeu voltar somente quando os pais conversassem como os passarinhos. Levei a proposta ao casal e fui embora.

Ontem, resolvi voltar à chácara. A casa estava abandonada. Caminhei pelo pomar e, ao me aproximar da mangueira, ouvi mais trinados. Pai, mãe e filho, no mesmo galho, gorjeavam em harmonia. Não sei se endoideci, mas posso jurar que vi penas nascendo nos braços deles.

Neste momento, estou em minha casa pensando: Como seria maravilhoso se conversássemos com a língua dos passarinhos!