História : O Mercado Municipal da Pindamonhangaba antiga
Ao longo dos milênios, além das fronteiras e continentes habitados por diferentes povos, o mercado – enquanto lugar onde se pratica o comércio de gêneros alimentícios e diversas outras mercadorias – tem sido um espaço de indiscutível importância cultural. A atividade que ali se desenvolve vai mais adiante do mercadejar; sabe muito bem disso quem não descarta o costume, a tradição de frequentar um mercado municipal, mesmo não dispensando a praticidade e conforto dos modernos super e hipermercados.
Para exemplificar o valor cultural de um mercado, as reminiscências desta edição destacam o mercado municipal da Pindamonhangaba do início d o século XX. Local aprazível que era frequentado pelos moradores da cidade e do campo naquelas manhãs domingueiras que muito longe já se vão…
Não nos referimos ao atual, o qual se adentra por quatro vias centrais: “Gustavo de Godoy”, “Campos Sales”, “Capitão Martiniano” ou pela “Rubião Júnior”. Nossa referência é outro, mais antigo, funcionava em prédio que, melhorado, passou a abrigar unidades militares e, com as reformas ocorridas com o passar dos anos, desde 1947 aquartela o 2º Batalhão de Engenharia de Combate, na praça Padre João de Faria Fialho, o “Largo do Quartel”.
No que se refere às fontes de nossa pesquisa, iniciamos com Balthazar de Godoy Moreira (13/1/1898 – 14/1/1969), autor pindamonhangabense que deixou vários livros publicados, com destaque para “…E os Campos do Jordão foram Pindamonhangaba”.
Com o título “Minhas Memórias de Pinda”, Balthazar de Godoy Moreira escreveu uma série de crônicas para o jornal Tribuna do Norte em 1963. Nos artigos publicados nas edições de 15/9 e de 22/9 daquele ano, as lembranças do referido autor dizem respeito ao antigo mercado.
Segundo Balthazar naquele tempo, “a cidade desfibrava exausta, o mercado, porém, era um espetáculo”, era também “mais suprido, com mais variados comestíveis e menos quinquilharias”.
Balthazar, em seu artigo, compara o mercado dos anos sessentas, já no local em que se localiza atualmente, com àquele das primeiras décadas de 1900, segue a descrição do memorável literato.
“Havia menos intermediários, os próprios produtores entendiam-se com os consumidores, como o dinheiro era escasso e a oferta maior que a procura, as mercadorias barateavam-se”, explicava, acrescentando que naquele tempo “não havia tabelamentos e nem essa disciplina de preços que afasta a concorrência”. Aqui ele fazia alusão ao fato de que já nos anos sessentas, as bancas praticavam os mesmos preços, “o aspecto da mercadoria podia variar, o preço não.” E no mercado do início do século “cada um vendia o que era seu, pelo preço que lhe convinha”, referindo-se à inexistência do espírito de classe entre os vendedores que “eram mais produtores, chacareiros, sitiantes do município, de Santo Antônio do Pinhal e São Bento, que propriamente negociantes”.
Os doces do mercado
Relembrando que “ia ao mercado todos os domingos, às vezes com papai, às vezes só”, o autor, utilizando-se das memórias do menino Balthazar, assim descreve as delícias do mercado de antigamente:
“Entrando, dobrando à esquerda, deparava logo com a fileira dos tabuleiros de doces. A melhor parte do mercado na minha opinião de garoto. Doces como esse da Sofia, última e nobre representante de uma corporação de doceiras, que eram os números de sustância do mercado de Pinda de então, o encanto da criançada”. Neste ponto, referindo-se a uma pessoa carinhosamente acolhida em suas lembranças, Balthazar a elogia e, a exaltando como ‘a última das doceiras’, ele indaga aos leitores o que seria do mercado de Pinda quando ela desaparecesse “ou, acotovelada de todos os lados pelos vendedores de plásticos, resolvesse aposentar-se.”
Naqueles domingos, recorda… “eram dez ou doze tabuleiros, com doces em montículos coloridos, os de cidra, de batatas, amarelados ou roxos, de banana, de abóbora, de goiaba, de pêssego, cocadas brancas, escuras e fitas; pés-de-moleque, talhadinhas e balas de coco; e furrunduns levemente ardidos.
Num dos cantos dos tabuleiros os cartuchos de papel de seda, com enfeites e a travessa de canudinhos recheados de doces de coco ou de leite. E tigelinhas brancas com doce de batata polvilhadas de canela. E baba de-moça e puxa-puxas de um palmo, com um papel na extremidade em que se devia pegar”.
Além da doceira Sofia, Walter Santiago é citado por Balthazar em suas “doces” lembranças. Deste, ele diz que fora o último “puxa-puxeiro” genuíno que conhecera. Na ocasião em que escrevera estas memórias, o autor conta que Walter Santiago era servente na escola Alfredo Pujol.
Continuando com os doces, Balthazar comparava: “Atrás do tabuleiro farto, como uma sacerdotisa atrás do altar, – o altar da gostosura – a doceira ofi ciava, servindo os fregueses e a abanando de vez em quando os doces com um abano de tiras de jornal; todos se abasteciam ali de doces para a semana, visto que não havia ainda confeitarias na cidade. As crianças, porém, abasteciam ali mesmo, em fragrante.”
Relembrando os preços das guloseimas, conta que os cartuchos cde papel de seda custavam dois ou três vinténs; um doce custava um vintém, os doces maiores, dois vinténs. “Com 200 réis a gente se arranjava no tabuleiro. Para os meninos a ronda pelos tabuleiros, na orla esquerda do mercado é que era o mercado; o resto eram, coisas para gente grande. Mas para qualquer um o mercado era um espetáculo de que não se desperdiçava nada.”
As frutas do mercado
Sobre as frutas, lembra que se sobressaíam mais as silvestres, as do mato, que as dos pomares. Naquele tempo os quintais eram pomares e por isso todos tinham frutas em casa, por conta disso “ninguém vendia laranjas, mamões, frutas do conde etc.” Em contrapartida, conforme os escritos de Balthazar, o interesse maior era por frutas do mato.
“No mercado, viam-se arranjados em alvos panos de saco, no chão: maracujás, cachos de tuncuns arroxeados, pitangas, jatobás (jataís), feixinhos de vagens de ingá, gerivás, brejauvas (das brejauvas escolhidas a jeito faziam-se os piões mais cantadores), cachos de gravatás amarelos; e, no tempo das ‘fruitas’, balaios e balaios de jabuticabas, das pequenas de São Francisco, muitos doces, das rajadas, grandes, de sabará e de outras espécies, vendidas aos litros, meias quartas, quartas…”
Jabuticaba era fruta fácil de encontrar, segundo Balthazar, “em outubro, jabuticaba era mato”. Havia em quase todos os quintais das casas da cidade e propriedades rurais.
Sobre esta fruta, o autor ressalta que “não havia sítio que não tivesse jabuticabeiras, essas lindas árvores que só as pessoas estáveis, acomodadas, conservadoras, plantam. Os modernos não plantam jabuticabeiras porque vivem no provisório. Uma das diversões das famílias era irem aos sítios, chupar jabuticabas”.