Nossa Terra Nossa Gente : O MISTÉRIO DOS OLHOS AZUIS CINTILANTES DE IGNEZ SAN MARTIN DE ABREU
O meu encantamento por Dona Ignez San Martin de Abreu (1926 – 2018) deu-se da primeira vez em que a vi. Aqueles olhos azuis no rosto de pele clara e de sorriso amoroso cintilavam um mistério que me afetou profundamente.
Quem nos apresentara confidenciou-me que ela, na casa dos oitenta e tantos anos, todos os dias, batia e pulava corda com as crianças do Lar Irmã Júlia – instituição fundada por seus pais na Pindamonhangaba de 1959 e à qual ela dedicou mais de cinco décadas de sua vida, acolhendo crianças e adolescentes que lá chegaram carentes de cuidados, de proteção, de amor.
Mesmo acumulando as tarefas profissionais de professora (D. Ignez formou uma geração de jovens professores egressos do Instituto de Educação João Gomes de Araújo), de esposa (era casada com o renomado político e jornalista Aníbal Leite de Abreu) e, também, de mãe de cinco filhos (Celso, Celina, Clóvis, Célia e Cynthia), ela soube magistralmente orquestrar tarefas domésticas e profissionais para dedicar-se aos assistidos do Lar da Criança “Irmã Júlia”!
Certamente, um ato heroico e louvável de que ela, com toda a humildade, nunca se vangloriou; ao contrário, o fez sem nunca se curvar aos elogios ou aos aplausos!
Esse trabalho de Dona Ignez em prol das crianças e jovens em estado de vulnerabilidade social ficou impresso nas histórias de vida que foram transformadas por sua generosidade e pela sua capacidade de amar incondicionalmente. Quantas vidas? Não sabemos! O torvelinho do tempo, infelizmente, foi capaz de recobrir esses seus feitos…
Outros, no entanto, aos poucos, nos têm sido revelados. Bastou sintonizar o espírito e, sem mais nem menos, suas ex-alunas vieram me contar das suas maravilhosas aulas de Prática de Ensino; os atuais diretores do “Lar” relataram-me o minucioso registro documental da história da entidade organizado por ela; seu neto, Lucas Leite, com frequência, publica nas redes sociais do WakaWakaPhotografy, fotos magníficas da avó que, de tão belas, não me permitem esquecer o quanto aqueles olhos azuis me dizem.
Um mistério e uma gratidão que transbordam de minh’alma, e que eu, há muito tempo, sonho partilhar com nossa terra, nossa gente!
Por duas vezes, pedi-lhe uma entrevista. Na primeira, estávamos almoçando no Crepe das Artes, na rua dos Andradas. Ela, mais do que depressa, pediu-me para fazer primeiro uma matéria sobre o trabalho fotográfico de seu neto Lucas Leite – que eu, até aquele momento desconhecia, e, ao entrevistá-lo, fiquei impactada com a sensibilidade e a beleza de suas fotos. Na segunda vez em que a abordei, estávamos na esquina do Boticário, espiando a chegada do Papai Noel. Era o Natal de 2016. Aqueles seus olhos cintilantes pareciam os de uma criança encantada por aquele espetáculo de sonho e beleza. Ela sorriu docemente e, disse-me: – Antes, faça uma matéria sobre o Lar.
Atendi a seus dois pedidos e, antes que eu pudesse abordá-la novamente, suas estrelas azuis foram chamadas a cintilar no céu!
Até hoje, quando dela me recordo, sou envolvida por aquele mistério de seu olhar. Gostaria de ter sido sua aluna, de ter trocado uns dedinhos a mais de prosa, de ter participado de sua vida e de sua história…
Mesmo tendo desfrutado pouco de sua presença, em cada encontro nosso, a alegria era recíproca! Eu sentia emanar de seus azuis, uma amorosidade própria de quem descobriu que o amor é a maior força do Universo, e é ele que dá o poder de nos eternizarmos nos outros e no mundo.
D. Ignez San Martin de Abreu detinha essa sabedoria e a distribuía, sem nenhuma reserva, a todos que tiveram o privilégio de conhecê-la! Esse era o seu mistério. E, nele, ela se eternizou em cada um de nós!