História : O modernista que se encantou com a Pinda antiga
Em outubro de 1921 esteve em Pindamonhangaba, convidado para realizar uma conferência no Cine Eden, um dos articuladores, ativistas e colaboradores da Semana da Arte Moderna, que se realizaria em São Paulo de 13 a 18 de fevereiro de 1922
Menotti Del Picchia (1892-1988), poeta, romancista, ensaísta, cronista, jornalista, advogado e político brasileiro. Autor do poema “Juca Mulato” (no qual a temática é o caboclo, o maior traço do Pré-Modernismo), conforme nota publicada na edição de 28/9/1921 da Tribuna do Norte foi o orador responsável pela conferência com o tema “Descoberta da Vida”.
Sua presença na cidade movimentou a culta população da bucólica Pindamonhangaba dos anos vintes. Conta a Tribuna que o público lotou as dependências do Eden Cinema, gentilmente cedido pelos empresários Moutinho & Salgado (proprietários daquela casa de espetáculos) para a realização de um festival em prol da construção da nova Santa Casa.
Abrilhantando a palestra do orador Menotti Del Pichia, segundo a folha de João Romeiro, “…houve recitação de poemas pelas senhoritas Maria José de Andrade e Edmea Godoy Cesar e os jovens Jayme Torres e Elpídio Barbosa”.
O evento correspondeu às expectativas de êxito previstas. Da importância arrecadada, deduzidas as despesas com a realização, uma quantia significativa foi direcionada ao tesoureiro da comissão executiva encarregada das obras de construção do novo prédio da Santa Casa, senhor José Martiniano Vieira Ferraz.
Na época, também atuante jornalista do Correio Paulistano, Menotti Del Pichia teve que voltar pra capital assim que concluiu sua conferência. Dias depois, em correspondência com o poeta e redator da Tribuna, Joviano Homem de Mello, revelou: “Sem ter tido um instante de tempo para dizer minhas impressões de Pinda – sai daqui e voltei em plena batalha – para breve direi da impressão altamente simpática que me deixou essa cidade e esse cultíssimo povo”.
Essa impressão ao conhecer os cantos e recantos da cidade antes de falar-lhe em conferência, tomaria forma e graça num artigo que escreveria em edição do Correio Paulistano. Crônica que seria concluída com um soneto de seu amigo poeta redator da Tribuna do Norte, o pindamonhangabense Joviano Homem de Mello.
Pinda nunca foi “cidade morta”
Na edição de 23/10/1921, a Tribuna, com o título “Elevada Fidalguia”, relembrou a visita e palestra do autor de “Juca Mulato”, republicando a mencionada crônica na qual ele havia elogiado a “Princesa do Norte” em páginas do Correio Paulistano.
Em seus escritos o poeta modernista se mostrava contrário ao escritor Monteiro Lobato, para quem, “cidades mortas” era a definição mais apropriada às cidades como Pindamonhangaba; municípios que tinham vivido a opulência do ciclo do café no Vale do Paraíba e, com o final desse ciclo enriquecedor, se esforçavam para se manter com os parcos recursos que agora desfrutavam…
“Cidades Mortas” foi o título do livro e de um dos contos de Lobato, datado de 1906, cuja temática era sobre a decadência econômica, a queda da produção cafeeira, o cotidiano das cidades.
O artigo discordante de Menotti Del Pichia tinha como exemplo a “cidade princesa”:
“Monteiro Lobato anda de azar… Inventou Jeca Tatu e os raros caboclos de ventres oblongos, pululantes de ancilostomas, palermas e madraças, morreram sob as taperas desmoronadas. O thimol curou e enrijeceu os poucos sobreviventes e uma raça de fortes cantou, na terra paulista, a vitória da energia paulista.
Depois descobriu a desolação calcinada de oblivion, a gândara onde ressecavam sob um sol de fogo as carcaças das “Cidades Mortas”. E as cidades ressuscitaram. À margem do vale do Paraíba, por um milagre da energia dos habitantes das urbes-princesas do norte, as velhas cidades recuperaram, pelo sangue verde-louro dos arrozais, uma nova mocidade. E, estuantes de vida e de progresso, assombraram o paulista, repetindo o prodígio da Fênix lendária, na ressurreição hodierna e esplêndida, que nos enche de admiração e de deslumbramento.
Há dias, meus olhos mortais verificaram o milagre. E Pindamonhangaba, a cidade que fora rainha e depois perdera seu fastígio, vi a louçã e maravilhosa, rica de um esplendor que me encheu de orgulho o peito de paulista.
A piedade dos seus habitantes erigia lá um dos mais vastos e belos hospitais; suas paredes subiam, erguidas pelo corajoso carinho de seus filhos, para dar abrigo à doença desvalida e às dores desamparadas. Depois vi edificações modernas, casas de estilo novo, confortáveis, alegres. Depois vi uma Escola de Farmácia e Odontologia das mais importantes do Estado, onde uma galharda mocidade, dirigida por um competentíssimo corpo docente, estudava com amor e desvelo.
Depois vi, no Clube Recreativo, uma sociedade fina, culta, elegante.
Depois vi, dançando as danças mais modernas – o tango e o foxtrote têm as botas do Pequeno Polegar – moças lindíssimas e fidalgas. Que mais vi? Tanta coisa… Vi, na mocidade e nas rodas intelectuais da cidade uma verdadeira adoração pelo livro e pelas coisas do espírito. Ouvi ótimos oradores. Li, nos seus jornais, brilhantes artigos…
E essa será, acaso, uma Cidade Morta? Positivamente o senhor Lobato anda de azar…
Mas Pindamonhangaba dispensa meu panegírico de forasteiro. Tem seus poetas – e inspirados e fortes poetas, – para cantar-lhe as graças e as belezas. Dou a palavra a um deles. No sabor delicioso dos seus versos, mais que nesta prosa aguada e ensossa, encontrará o leitor as maravilhas de Pinda, a terra que o Paraíba, na frase do outro poeta, numa suave curva beija, para continuar depois o seu fluir manso, na dadivosa missão de espalhar a fecundidade através de todo o vale que enfeita e banha.
E assim encerra: “Os versos são do senhor Joviano Homem de Mello, galho de estirpe ilustre, poeta e prosador, cujos méritos o leitor aferirá pelo seu soneto” (o leitor confere o soneto à esquerda).