O primeiro salto de ‘João do Pulo’

Odirley Pereira
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João Carlos de Oliveira, o ‘João do Pulo’, nasceu em Pindamonhangaba no dia 28 de maio de 1954. Filho de Paulo de Oliveira (Paulo Aço) e Maria de Oliveira, cresceu no Largo do Quartel.
Trabalhou desde criança, ora como lavador de carros ora como servente de pedreiro ou ajudante de serviços gerais. Estudou no extinto Núcleo de Ensino Ferroviário e na EE Alfredo Pujol. Nas horas vagas, tocava bumbo na bateria do bloco carnavalesco Charles Anjo 45.
Adorava jogar futebol na várzea, junto com os amigos. Ele era pura diversão. Porém, João não tinha muita habilidade com a bola nos pés. Seu esporte era outro.
Em 1971, aos 17 anos e 1,89 metro de altura, durante um campeonato colegial organizado pelo professor Amaury Menezes, João Carlos surpreendeu o árbitro da prova de salto em altura. O professor José Roberto de Vasconcelos – Zezé, conta como foi: “Todos pularam até 1,50 metro e o João passava disso fácil. Eu fui aumentando a altura e ele chegou a saltar 1,80 metro, uma excelente marca para alguém na idade dele”. O menino alto e franzino, que estava sem camisa e descalço, surpreendeu pela elasticidade. A prova foi realizada na pista da Aisa – Alumínio Indústria Sociedade Anônima. Surgiu, então, a ideia de levá-lo para a Esefic – Escola Superior de Educação Física de Cruzeiro, para que o professor Gonçalves, especialista em atletismo, pudesse avaliá-lo. Na escola, o professor Zezé aplicaria os exercícios ao rapaz. Começava ali a carreira do atleta.

João treinava salto com câmara cheia de areia

“A gente começou a treinar no Largo do Quartel. Eu enchia uma câmara de ar com uns 30 quilos de areia para o João colocar no ombro e ficar saltando. Também usava a câmara como elástico, que ele colocava na barriga e me arrastava”, relembra, emocionado, o professor Zezé. Porém, os exercícios eram puxados e a alimentação não era a adequada para um atleta. Algumas vezes ele chegava a desmaiar. No entanto, a insuficiência nutricional era pequena se comparada à vontade de vencer. João sabia dos riscos e continuava seu treino. Zezé resolveu levar João Carlos para morar em sua casa e passou uma dieta rica em nutrientes para que sua mãe, a falecida dona Neuza, preparasse para o rapaz.
No ano seguinte, durante os Jogos de Cruzeiro, a equipe de atletismo da CME – Comissão Municipal de Esportes – de Pindamonhangaba ficou em segundo lugar. Só perdeu para Santos, que tinha atletas da Seleção Brasileira. Imediatamente, João Carlos foi convidado para treinar no São Paulo. O Enorme potencial de João Carlos de Oliveira chamou a atenção de outros técnicos e após um ano ele trocava o Morumbi para treinar no Pinheiros. O clube paulistano proporcionou a carreira internacional que João Carlos precisava.
Nessa época, ele faz o serviço militar e o compromisso com o Exército o atrapalha. João Carlos não pode participar de diversas competições importantes no Brasil e no exterior – nem podia treinar adequadamente. Tudo por conta do serviço militar e das cerimônias oficiais a que era obrigado a participar. Apesar de prejudicar nitidamente a carreira do atleta, o Exército proporcionava algumas competições de atletismo e, João Carlos sempre vencia.

Acidente de carro prejudica carreira

Em 1981, ‘João do Pulo’ estava no auge. Havia atingido o topo do atletismo mundial. O ano prometia ser glorioso: tricampeão mundial do salto triplo, novamente campeão sul-americano e do Troféu Brasil, dentre outros. Porem, três dias antes do Natal, João Carlos teve o pior pesadelo de sua vida.
Ao voltar de uma cerimônia de colação de grau do curso de educação física da pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCC, onde foi paraninfo, um trágico acidente de carro interrompeu o sonho dourado. Na volta para São Paulo, pela via Anhanguera, surge um veiculo no sentido contrario e colide com o Passat onde estavam ‘João do Pulo’ e seu irmão Francisco de Oliveira, o ‘Chicão’. O campeão entra em coma, com traumatismo craniano e inúmeras complicações. ‘Chicão’ se recupera logo. Porém, o destino é fatal com ‘João do Pulo’. A parte do corpo mais afetada foi a perna direita. Várias cirurgias não foram capazes de curar a lesão, e o pior ocorreu. Dia 9 de setembro de 1982, no Hospital das Clinicas, em São Paulo, os médicos amputaram a perna do atleta, 10 centímetros abaixo do joelho. Estava decretado o fim da carreira de um dos maiores atletas que o Brasil já teve. Seu sonho era disputar as Olimpíadas de Los Angeles (84) e, como estava na melhor fase, chegaria como favorito no Estados Unidos.

Com a carreira interrompida, João foi esquecido

‘João do Pulo’ foi homenageado durante anos. Depois veio o esquecimento. Ele ficou muito abatido. Tentou ser empresário, montou uma padaria e uma transportadora, mas não teve êxito. Seu único rendimento era a aposentadoria como sargento do Exército.
O ex-campeão resolveu dar a volta por cima e dedicou-se aos estudos. Formou-se em educação física.

DEPUTADO ESTADUAL

Depois do acidente que o afastou das pistas de atletismo, ele foi eleito deputado estadual em 1986 e reelegeu-se em 1990, mas não teve sucesso nas eleições de 1994 e 1998. Conseguiu para Pindamonhangaba, entre outras coisas, serviço de rádio patrulhamento e a construção do prédio da 2ª Companhia da Polícia Militar.

A morte

Em abril de 1999 foi internado no hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Foi encaminhado a UTI devido uma grave infecção no pulmões. A variante mais grave da doença também é constatada, a hepatite C. Na noite do dia 29 de maio, um dia após completar 45 anos, João Carlos de Oliveira não venceu a batalha mais difícil: a luta pela vida e, inconsciente, morreu. Ao chegar em Pindamonhangaba, uma multidão espremia-se nas ruas para despedir-se do atleta. Da entrada da cidade até o cemitério, não havia lugar vago, o povo tomava conta de todos espaços. Foi velado na Câmara Municipal e sepultado no Cemitério da Irmandade do Santíssimo Sacramento, na quadra B, lápide 122.
Um dos últimos sonhos de ‘João do Pulo’ era disputar as Paraolimpíadas de Sydnei, na Austrália, em 2000, o que certamente confirmaria que ele não foi somente um atleta, mas também um herói. Não realizou seu último sonho.

Momentos Marcantes

Principais títulos
Tricampeão mundial (1977, 79 e 81)
Duas medalhas de bronze nas Olimpíadas de Montreal (1976) e Moscou (1980)
Tetracampeão pan-americano (duas medalhas de ouro por edição 1975 e 79)
Tricampeão sul-americano (1974,75,81)
Tricampeão mundial militar (1976, 78 e 80)
Bicampeão do Troféu Brasil de clubes (1973 e 74)
Hexacampeão do Troféu Brasil (1975,76,77,78,80 e 81)
Bicampeão paulista juvenil (1973 e 74)
Bicampeão paulista (1973 e 75)
Bicampeão brasileiro (1973 e 77)

Na cidade do México, o recorde

Cinco anos após a Copa de 70, o México foi sede dos Jogos Pan-Americanos. Novamente o Brasil atraiu atenção do mundo. João Carlos de Oliveira participou do revezamento 4×100 metros, que terminou em 4° lugar. Conquistou ouro no salto triplo, com a espantosa distância de 17,89 metros – ainda o recorde brasileiro, mesmo passados 30 anos. Nascia, para os brasileiros, o ‘João do Pulo’.

No Canadá, ‘João do Pulo’ participa de 1ª Olimpíada

A primeira Olimpíada de que ‘João do Pulo’ participou foi em Montreal, no Canadá, em 1976. Infelizmente para o Brasil, ele não estava na sua melhor forma física. Chegou ao Canadá com dores lombares, o que o impossibilitou de conquistar a medalha de ouro. A conquista da medalha de bronze mostrava o potencial do atleta. Naquele período, ele não podia dedicar-se totalmente ao atletismo porque sempre havia cerimônias militares, que o atrapalhavam.
Em 1977, ele estava em uma das melhores fases da sua carreira. Venceu tudo o que disputou: Os anos de 1978 e 1979 não ficaram atrás. Inúmeros títulos consagraram o menino de Pindamonhangaba como o maior saltador do planeta.

Moscou: juízes anulam salto de ‘João do Pulo’

Devido as suas marcas, ‘João do Pulo’ chegou a Moscou como favorito no salto triplo. No entanto, teria que saltar não apenas contra a força da gravidade e de seus adversários, mas também contra a arbitragem.
Prejudicado pelo favorecimento dos árbitros aos atletas soviéticos, que anularam seus principais saltos, ‘João do Pulo’ acabou sucumbindo. Dois dos saltos do atleta brasileiro teriam superado os 18 metros, o que seria a melhor marca de todos os tempos na modalidade. Entretanto, após o salto, enquanto ‘João do Pulo’ ainda comemorava o feito, o árbitro, que havia levantado a bandeira branca validando a corrida, para, como se estivesse pensando em algo e, em seguida, ergue a bandeira vermelha. O salto foi anulado. Estava consolidada a maior fraude na historia dos Jogos Olímpicos da era moderna.
No fim, os soviéticos venceram. Jaak Uudmae com o ouro e Viktor Sansev com a prata, ‘João do Pulo’ teve que se consolar com o bronze. Foi o resultado que mais abalou o saltador.

Imagens: Divulgação
  • Salto triplo nas Olimpíadas de Moscou, em 1980
  • Feitos do atleta jamais serão esquecidos
  • Salto na Olimpíada de Moscou, em 1980