O velho e o jornal

A noite caia rapidamente. Aquele escuro quartinho naquela rua modesta parecia ainda mais escuro, mais triste. Dentro, os velhos móveis assemelham-se a lúgubres imagens, a reminiscências tristes de um alegre passado. Num canto, alguém sentia sua vida escoar. O alvo lençol da pequena cama parecia tragar aquele corpo outrora forte, hoje alquebrado por anos de trabalho. Em torno do leito viam-se cabeças caídas ao peito, olhos baixos, olhos chorosos. Os filhos daquele que ali agonizava, choravam a partida do ser amado.

Os olhos do velho, já baços, sem brilho, perpassaram por aquelas cabeças queridas, por aquele quartinho e voltaram-se para suas mãos.

Naquelas mãos calejadas elesentia ainda um teclado abaixando, como quando comandado por elas; sentia nelas o chumbo quente e emtodo o seu ser, o jornal revivia. Seus ouvidos, já pouco sensíveis, ouviam ainda os ruídos da linotipo, de braço subindo e descendo, das matrizes, indo e vindo; seus músculos tornavam-se rígidos como quando carregava as pesadas tabelas. Sim, ele fora tudo no jornal e fora todo do jornal; seus melhores anos, seus bons momentos, ele dedicava ao livro cotidiano. Até o sangue que lhe corria nas veias, ele o tinha dado ao jornal; até no sangue ele tinha algo do jornal: o antimônio.

E o jornal, ele não podia ser injusto, não fora ingrato com ele. Não! …pelo contrário, em troca lhe dera o pão, ajudara-o a criar os filhos, pagara a escola para eles e todos os dias contava a ele e a todos os que ele amava, o que ia pelos quatro cantos do mundo.

E quem naquele derradeiro instante em que ainda restava um sopro de vida naquele homem, olhasse seus olhos, veria um brilho, um brilho passageiro, pois ele pensava naquele que durante anos fora parte integrante de sua vida: o jornal!

Sim, ele e o jornal haviam sido amigos, pois, anos após a sua ida, quando dele só resta uma tênue recordação, talvez nem isso, apenas um matutino amarelado que alguém guarda em qualquer canto, tem em suas páginas gravada a sua lembrança, a sua presença, o seu nome, encimado por uma cruz e uma palma…

 

Neusa Pereira Guimarães, Tribuna do Norte, 11/6/1962

  • Ruggero Marino