Os enfermos que vinham com intenção de ficar
Em séculos anteriores, a hanseníase, doença infecciosa conhecida popularmente como Lepra ou ‘mal de Hansen’ (nome atribuído ao seu descobridor, Gerard Amauer Hansen), ou, biblicamente, ‘mal de Lázaro’ (daí o termo ‘lazarento’) causava mais ojeriza que piedade. A doença, tida como das mais antigas da medicina, causadora de danos aos nervos, à pele e até da deterioração das extremidades do corpo, era muito temida. Seus portadores eram discriminados e afastados ou se afastavam do convívio nas comunidades.
Exemplo revelador da preocupação que existia quando um bando de infelizes leprosos aparecia em determinada localidade, encontramos na Pindamonhangaba do final do século XIX, conforme notícia publicada no jornal Tribuna do Norte, edição de 12/11/1882. Já no título, “Polícia Municipal”, o artigo soava como uma cobrança às autoridades policiais e administração municipal locais para que tomassem providências. “Chamamos a atenção das autoridades policiais, a quem incumbe as medidas tendentes a cautelar a saúde pública, para o modo de vida que estão querendo levar entre nós morféticos vindos de fora, e que aqui estacionaram, manifestando disposições de fixar sua residência”.
Incomodava os moradores locais, a presença de tão “indesejados” visitantes que vinham com intenção de ficar. Revoltava o fato de virem os enfermos de outras terras, além fronteiras paulistas, para aqui aportar em bandos, apelando para o sentimento cristão do pindamonhangabense, como constatava o artigo:
“Ora, que suportemos as consequências dos males que afetam aqueles que por aqui residiam quando foram tocados da terrível enfermidade, é justo, e nada há a estranhar. Mas quererem fazer a nossa bela cidade de hospital do Sul de Minas e de parte da Província do Rio, é o que não podemos tolerar. Devemos nos lembrar sempre que a nossa demasiada condescendência, e mal entendido espírito de caridade para com essa gente, comprometam, perante o viajante, a nossa população.”
Demonstrando que não se posicionava alheio à triste sina dos infelizes, o redator da Tribuna lembrava que Pindamonhangaba até possuia local adequado para manter leprosos fora do contato com a população sadia:
“Temos um lazareto, para esse fim criado; ali, e sob fiscalização conveniente, que não permita o contato dos enfermos com o resto da população, que vivam eles. Nada lhes faltará, porque a Câmara e a caridade particular lhes fornecerão tudo que necessário for para viverem folgadamente, se é que podem viver assim os pobres infelizes.”
Prosseguindo, alertava mais uma vez as autoridades no sentido que tomasse as providências para que os doentes aqui não fizessem moradias: “Consta-nos que lá pelos lados do cemitério, e em terreno municipal, já alguns vão levantando choupanas. Não podemos permitir que criem raízes, e vivam assim em nosso município. À Câmara e às autoridades policiais pedimos medidas enérgicas. Podem contar com a melhor vontade do povo, para manutenção do Lazareto, onde devem ser recolhidos e tratados”.
Finalizando, o jornal, exercendo sua função de tribuna destinada aos reclamos do povo pindamonhangabense, ressaltava: “Mãos à obra, senhores vereadores. Mais este importantíssimo serviço, que temos o direito de exigir…”
Pindamonhangabense ilustre combateu “mal de Hansen”
A lepra é uma doença da antiguidade. Um assunto ricamente estudado e publicado. Segundo a historiadora Irene Cavaliere, em “Hanseníase na história”, o bacilo Mycobacterium leprae tem andado pelo mundo há muito tempo. Já no século 6 a.C., havia referências à temida doença por ele causada: a hanseníase. Acredita-se que a doença tenha surgido no Oriente e se espalhado pelo mundo por tribos nômades ou por navegadores, como os fenícios”.
Em São Paulo, a epidemia cresceu consideravelmente no final do século XIX e começo do século XX por conta do movimento imigratório europeu durante o ciclo do café, quando a epidemia se espalhou pelo Estado. Aqui é extremamente oportuno mencionar a participação de um ilustre pindamonhangabense, o sanitarista Dr. Emílio Marcondes Ribas (1862/1925).
Em 1898, quando o governo do Estado de São Paulo “reconhecendo seus grandes méritos” nomeou Emílio Ribas diretor do Serviço Sanitário (correspondia hoje a uma Secretaria Estadual de Saúde), o pindamonhangabense foi ferrenho combatente contra epidemias e endemias, incluindo a lepra.
Em seu livro “Médicos de Pindamonhangaba nascidos no século XIX” (Nagycolor Editora Ltda. São Paulo – 1987), Matheus Romeiro Neto (1919/1912, revela a preocupação que Emílio Ribas teve na época com o isolamento do leproso sem ferir-lhe a dignidade, lhe assegurando todo o conforto.
Em trecho de seu trabalho denominado “Lepra, sua frequência no Estado de São Paulo. Meios Profiláticos aconselhavéis”, Emílio Ribas assim define sua posição diante da situação de internamento das vítimas do “mal de Hansen”:
“Achando indispensável o isolamento, sou, todavia, de parecer que essa medida só deve ser executada, compulsoriamente, depois de feitas instalações capazes de, pelo seu conforto, higiene, cuidados médicos e direção, serem procuradas expontaneamente pelos leprosos.
“A minha observação pessoal é que as instalações com estes requisitos se impõem, não só pelo lado humanitário, como também por facilitarem grandementea profilaxia, concorrendo assim para a extinção mais rápida deste mal.”
Matheus Romeiro conta que sobre a lepra, a produção científica de Emílio Ribas, expressa em relatórios, conferências e apresentações em congressos e sociedades médicas nacionais e estrangeiras é imensa. O autor relaciona as principais em seu livro.