Nossa Terra Nossa Gente : OS IPÊS DA VILA BOURGHESE
“Podem cortar todas as flores, mas não podem deter a primavera” – as palavras do poema de Pablo Neruda saúdam a nova estação que se faz presente nas praças, ruas e avenidas da nossa Princesa do Norte, agora, com o espetáculo da floração dos ipês rosa e branco que eclodiram suas flores para deleite dos beija-flores, das abelhas, dos sabiás, dos bem-te-vis que têm acordado antes de o sol raiar – atraídos pelo espetáculo desse território-casa que os abriga e os alimenta.
Na Vila Bourghese, os ipês cor-de-rosa e os brancos estão floridos. Todo ano, espero pela florada deles – linda, efêmera, exuberante, misteriosa, cíclica – como se esperasse um presente de aniversário ou de Natal…
Gosto de contemplá-los na alvorada, na horinha em que ouço os primeiros acordes do canto namoradeiro do sabiá laranjeira em seus galhos. É um chamado tão convincente que não ouso recusar o convite para participar daquela misteriosa alegria pelo dia que principia.
Assim, de manhãzinha, a rua pertence às árvores e aos passarinhos. Os carros ainda dormem em suas garagens, e os pedestres despedem-se dos últimos sonhos. Em silêncio, aguardo o milagre dos primeiros raios de luz incidir sobre as flores dos dois ipês defronte à sacada da minha varanda. É indescritível a beleza da luz nas flores das copas rosadas, iluminando-as devagarinho, feito um abajur divino recém-aceso na Rua José da Silva Andrade…
Contemplo as duas árvores – irmãs de mãos dadas e bendigo as mãos que as plantaram na calçada daquela casa-sobrado, encantada com os tufos de flores que recobrem os galhos, um a um.
Manhã após manhã, aprecio a copa delas se cobrir de indescritível beleza rosada e, infelizmente, em poucos dias, vejo ao chão um majestoso tapete voador de flores que, ao primeiro sopro do vento, desaparecerá… Por isso, suplico à chuva para se quiser vir, que venha, mas que não seja impiedosa com as delicadas flores que iluminam a rua, a vila, os olhos de todos que por elas passam…
Quando a última de suas flores desprende de seu galho e, leve como um floco de neve, baila até o chão, os majestosos ipês perdem o encanto de sua florada e, como eu, certamente, dobram os joelhos em oração, bendizem o verão, o outono e o inverno que estão por vir, gratos já pelas flores, pelos sabiás, pelos bem-te-vis, pelas abelhas, pela exuberância da próxima primavera.
Poeta que sou, em cada florada dos ipês busco uma nova lição. Este ano, os versos de Neruda ensinam-me que nada pode deter a primavera e a explosão de suas flores, de suas cores, da alegria de poder renascer depois das águas de verão, das agruras do outono e dos meses sombrios de inverno.
Assim como as árvores, precisamos permitir que a esperança ouça o chamado inaudível da VIDA e floresça em nós, em nosso país, no mundo. As agruras da pandemia que têm assolado a humanidade desde 2019 haverão de passar. Aos poucos, os sonhos que ficaram de quarentena em nossas casas, dentro de nossos armários, nos álbuns de fotografia, nos arquivos de nossos computadores biológicos, também despertarão…
A primavera chegou, dizem as árvores!
Bem-te-vi! Bem-te-vi! dizem os passeriformes ao amanhecer…
Será que existem sonhos a florescer em nós nesta primavera? Se preciso, acorde mais cedo para contemplá-los… E, quando a primavera cobrir de flores sua vida, bendiga suas raízes, suas sementes, seus frutos. É assim que a primavera fabrica suas flores. É assim que devemos contemplar nossos ipês, nossos sonhos, nossas vidas.