Nossa Terra Nossa Gente : Os presépios do espaço cultural Dr. João Laerte Salles: Portal para o mistério do nascimento do menino Deus
“Em 1817, viajando do Rio de Janeiro para São Paulo, parou uma noite na então pequenina Villa de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba. Era precisamente no dia 25 de dezembro, data de rara poesia, em que toda Christandade comemora o nascimento do menino Deus. Martius, visitando nessa localidade um presépio, forma lindamente representativa de festejar o Natal da Divindade, admirou-se de que numburgosinho modesto e pobre situado na solidão de um caminho pouco transitado, houvesse tanta poesia e tanto carinho na maneira como se homenageava aquele grande dia.”
O excerto da obra “O Direito entre os Indígenas do Brasil”, retrata a cultura natalina presente em Pindamonhangabahá mais de dois séculos e que tão profundamente impressionou o pesquisador Carlos Frederico von Martius quando ele passou por nosso “burgosinho” em busca de informações sobre os índios que aqui viviam.
Em 2019, sinto-me como Martius, impactada “pela poesia e por todo carinho” com que Maria Ceres Merly Salles presta homenagem ao nascimento do Menino Deus na exposição dos presépios de sua família no Salão dedicado à Virgem do Bom Sucesso no Espaço Cultural Dr. João Laerte Salles: o presépio de sua mãe (exposto desde 1934), o de seu irmão João (desde 1940) e, também, o da própria Ceres, com imagens recolhidas nos descartes efetuados no Santa Cruzeiro da Praça Dr. Francisco Romeiroe, posteriormente, restauradas e reintegradas ao cenário representativo do lugar onde o Menino Deus nasceu.
Coleção de rara beleza, guardada com todo amor e zelo, cada figura tem uma história que Ceres nos relata a partir das lembranças dos natais de sua infância e, de modo especial, da inesquecível lojado Rafael Pires – um verdadeiro mundo encantado de brinquedos eoutras mercadorias -, onde Ceres e seus irmãosHelena, João, Eduardo e Leila iam nos dias que antecediam o Natal para ‘namorar’ os presentes que pediriam ao Papai Noel e, também, comprar novas figuras para o presépio (sentinelas, lenhadores, caçadores, cães, camelos, ovelhas, galos, galinhas, patosetc).
O salão em que estão expostos os presépios acomoda também uma belíssima exposição de luminárias do Egito (para abrilhantar tão excelsa data!); uma simpática coleção de PapaisNoéis (cada um mais divertido do que o outro!); delicadas peças avulsas de Mariae do menino Jesus; e, nas paredes, quadros de Renato San Martin, Luiza Bartholomeu, Diva Puppio efotografiasde Pindamonhangaba antiga.
Na exposição dos presépios da família Salles, somos surpreendidos por dois fatos singulares:em destaque, três relicários contendo os presentes ofertados ao menino Jesus pelos Reis Magos (ouro, incenso e mirra) e, ao final da visita, somos agraciados com um presente do aniversariante e um belíssimo cartão natalino contendo um detalhe da pintura de Veronese, “A Adoração dos Magos”,coma mensagem “O caminho de Deus”:
“O que os pastores de Belém viram como símbolo, como revelação às suas mentalidades rústicas, seria o mesmo que os magos viam como realidade sideral? Não sabemos. O que sabemos é que Deus revela a verdade aos simples e aos sábios. Aos simples, porque não conhecem o orgulho. Aos sábios, porque se tornaram simples; libertando-se de si próprios e de toda vaidade. Só a alma simples poderia ver uma estrela que surge edesaparece, grandiosa e espetacular. Só a alma dos sábios pode acreditar na marcha matemática das constelações e ver no meio dos astros, certa estrela palpitante na multidão sideral. Entretanto, uma e outra são de certo modo a mesma estrela. Como se chama? ‘O Caminho de Deus’.”
Essa “estrela palpitante na multidão sideral” que brilhou em Belém há dois mil anos está a brilhar sobre o sobrado de número 80 da Rua Bicudo Leme. Quem desejar apreciá-la, estará em exposição até o dia 2 de fevereiro de 2020, dia de Nossa Senhora das Candeias, e, por tradição herdada da matriarca dos Salles, era a data em que D. Olga desarmava o presépio. Até lá, a arte de esmera poesiae carinho de CeresSallespara com os presépios de sua família iluminamo céu de Pindamonhangaba e a alma de quemtem olhos de ver“formas lindamente representativas de festejar o Natal da Divindade”. As visitas são bem-vindas, preferencialmente, no período da tarde.