Proseando : PADARIA PORTUGUESA
Sem prole e sem parentes, a viuvez reascendeu-lhe o desejo de se fixar no Brasil. Por isso, naquele mesmo mês, o lisboeta vendeu tudo o que possuía e cruzou o Atlântico, instalando-se num modesto hotel, em terras paulistanas. Nos primeiros dias, investigou o potencial mercadológico e, somente após avaliar os riscos, adquiriu imóvel comercial e o transformou em luxuosa padaria. Para início, contratou o rapaz que se dizia padeiro e disposto a aprender os segredos da panificação lusitana.
– Não queimes roscas! Trabalharás também ao balcão. Não admito bichas. Estás a me entender? Se te dedicares, dou-te um cacete por dia.
O rapaz se indignou:
-Olha aqui, seu… Sou contra homofobia e violência. Aqui não fico nem mais um segundo!
A decisão foi revogada quando lhe foi explicado que “bicha” significava fila, e “cacete”, pão comprido, em Portugal.
Na inauguração, meia dúzia de gatos pingados experimentaram o pastel de Belém, cuja receita original, o português afirmava ser o manuscrito que exibia numa das mãos: “…do Mosteiro dos Jerónimos”.
Na primeira semana, o número de moscas superou o de clientes.
– “Casa dos Cacetes” espanta a freguesia – advertiu o rapaz.
– Tens certeza? E o que me sugeres, oh, gajo?
– “Padaria Portuguesa”, com certeza!
O novo letreiro alavancou o negócio, obrigando a contratação de algumas atendentes. Certa manhã, a mulata mais bela do bairro debruçou o decote generoso no balcão e pediu:
– Quero pães franceses e pastéis de Belém, portuguesinho lindo.
Naquela noite, ele não dormiu. No outro dia, correu à joalheria e adquiriu um anel de brilhantes. Entusiasmado, decidiu mostrá-lo ao rapaz. “Comprei-o como mimo àquela linda mulata”. A joia, retirada da caixinha, escorregou dos dedos trêmulos etilintou. “Ai, Jesuis! Caiu dentro da misturadora”. Desesperadamente, desligou a máquina e mergulhou as mãos na massa. Mexeu-a e remexeu-a inúmeras vezes, em vão.Vestindo-se de compaixão duvidosa, o rapaz sugeriu:
– Asse e venda os pães, portuga. Prometa gratificação a quem encontrar e devolver o anel.
– Pois. Seguirei o teu conselho, gajo. Mas ai de ti se não recuperar o anel.Terás que trabalhar até me pagar o último dinheiro.
Com a exposição do cartaz o movimento quintuplicou. Semanas depois, a mulata reapareceu, chamou o português de “meu amor”, e o beijou sucessivas vezes. A mão direita ostentava anel de brilhantes. Assim que ela se foi, o rapaz inquiriu:
– Comprou outro anel, portuga?
– Não. O anel estava a se esconder debaixo do forno. Achei-o.
O rapaz contraiu as sobrancelhas e espremeu a mandíbula no maxilar. O português tocou levemente na própria cabeça e disse:
-Estava a me esquecer. Sua mãe ligou. Pediu para que não leves mais pães. Não tem mais onde guardá-los.