Proseando : PÁGINA VIRADA

Duas décadas de casamento. Um caminho sinuoso de instabilidades e reconciliações. O diálogo se desgastara pela inflexibilidade de ambos. Os cabelos dele mergulharam num alvor opaco. Os dela, não recebiam mais o tratamento de outrora; por isso, desgrenhados, sem viço, desbotados. As rugas se expandiam pelo rosto dele, tornando-o charmoso. Pelo rosto dela as carquilhas antecipavam a velhice. Ele manteve-se agressivo. Ela, emurchecera.
– Seus peitos estão caídos. Sua barriga despencou. Acha que existe algum homem capaz de se sentir atraído por você, molambenta? Vou passar as férias na Europa. Sozinho! Já dei entrada na papelada do divórcio. Quando voltar, resolveremos tudo.
Viajou no dia seguinte. Coube à filha dedicar-se à remoção do desejo de suicídio da mãe.
– Você precisa de uma repaginada, mãe. De um banho de loja.
– De que adianta, filha? Meu corpo está estragado. Só por milagre.
– O milagre existe, mãe; se chama cirurgia plástica. Vem comigo.
O dinheiro permitiu a consulta sem hora marcada na mais famosa clínica de São Paulo. Após a avaliação, o doutor sugeriu: abdominoplastia, Botox e próteses de mama.
Assim que as férias terminaram, o esposo ligou:
– Tudo bem por aí? Estou arrependido. Queria voltar. Mas a empresa pediu pra eu chefiar um projeto aqui. Ficarei mais uns meses.
A filha achou ótimo. Quando regressasse, o pai encontraria a mãe deslumbrante.
Ele voltou no final do ano. Do aeroporto, ligou para a filha.
– Pai, se prepara pra uma grande surpresa.
– Adoro surpresas.
– Então venha logo. Estamos numa clínica. Anote o endereço.
Comprou dúzias de rosas vermelhas. O coração adolesceu, retumbando como se fosse encontrar a mulher amada pela primeira vez. Chegou esbaforido à clínica, onde encontrou a filha ao lado de um belo rapaz.
– Filha!
– Pai!
Os abraços e beijos resolveram a saudade.
– Cadê sua mãe?
– No consultório. Já vai sair. Olha ela lá.
A mulher estava irreconhecível. Em traje discreto e sensual, o corpo esguio e elegante ostentava seios rijos, cabelos ondulados e dourados. O sorriso levemente malicioso compactuava com o olhar.
– Ela está linda! – constatou boquiaberto. E cochichou: “Gostei do seu namorado. Parece um cavalheiro.”
– O Alejandro? Não, não. É o namorado da mamãe.
O homem quase enfartou.
– Pai… Pai… o senhor está bem? Pra quem são essas flores?
– Hã? Flores? Ah, sim, flores… São pra você, filha.