Proseando : PALETÓ DE MADEIRA

Terminou agorinha. Estou moído, acachoeirado. Não nasci para gravatas, tampouco para sapatos. Para mim, não existe nada mais elegante do que camiseta, bermuda e chinelos. Elegância para o corpo, não para os olhos da sociedade. Infelizmente, a ocasião exigia o traje.

Mês passado meu amigo superou oito décadas e, há duas semanas escorregou no banheiro. O infortúnio não foi suficiente para remarcar a data. Casou-se daquele jeito, numa cadeira de rodas. A noiva, uma meninota fitness de vinte e poucos anos, de sorriso malicioso e olhar atrevido, jurava que o amava. Jurava que a fortuna dele era apenas um detalhe irrelevante. Jurava beijando a cruz que fazia com os dedos. E ele acreditava.

Recebi o convite das mãos dele.
— Vou me casar. Você será um dos meus padrinhos. Meu predileto. Se recusar, não me caso.
Confesso que cheguei a elaborar pretextos. Mas minha consciência se alvoroçou, berrando que a amizade de vinte e tantos anos não podia ser preterida.

A cerimônia religiosa se estendeu além da conta. O padre era ga-gago e, acredite, soluçava de dois em dois minutos. Paguei todos os meus pecados, em pé, no altar. De vez em quando olhava São Benedito, uma estátua do meu tamanho. Juro que ele ria de mim.
Da igreja fomos à festa. Nunca vi nada igual. Todos os tipos de bebidas. Vinhos envelhecidos, champanhes, licores, cervejas, chopes… Comida farta. Comida sofisticada. Comida que dava para matar a fome do mundo. E uma banda afinadíssima, cujo repertório atendia a todas as faixas etárias.

A certa altura, o vocalista anunciou:
— Chegou a hora da valsa dos pombinhos.
Meu amigo me chamou.
— Dance com ela por mim. Em você eu confio.
Eu não poderia recusar o pedido de meu grande amigo. Aninhei-a em meus braços e começamos a valsar pelo salão. Que lábios! Que sorriso! Os olhos dela me faziam propostas tentadoras. Por um momento não enxerguei mais ninguém. Meus lábios foram se aproximando dos lábios dela. O beijo só não aconteceu porque…
— Acudam! Ele está passando mal!

Corri até meu amigo e o abracei. Pedi desculpas. Ele sorriu com as mãos no peito. Sussurrou que sabia que iria morrer. Contou que deixou testamento transferindo toda a fortuna para instituições de caridade. E antes de fechar os olhos pela última vez, me deixou uma lição: “Não se iluda. Assim como roupa de marca não torna uma pessoa melhor do que a outra, a beleza física pode ser apenas uma casca escondendo a podridão. A melhor veste é o caráter”.

Por isso, digo: não nasci para gravatas, tampouco para sapatos. De que adianta desfilar com roupas caríssimas se no fim todos vestiremos um paletó de madeira? Mas isso agora é irrelevante. O que me interessa neste momento é saber se a viuvinha vai querer dançar comigo outra vez.

  • Maurício Cavalheiro ocupa a cadeira nº 30 da APL - Academia Pindamonhangabense de Letra