Proseando : PLANTÃO DA MADRUGADA
– Sente-se.
– Brigado, dotô.
– O que o senhor tem?
– O que co tenho? Um tiquinho de nada, dotô. Três galinha, um galo, o casar de porco, dois cachorro, o maiadinho, a muié, os oito fio…
– Perguntei o que o senhor tem pra procurar um médico.
– O que co tenho? Sei não. Se sobesse num carecia vim aqui, né memo? Um chazinho arresorveria.
O clínico geral, cansado, moído, contendo a erupção dos nervos, escorregou os óculos para a ponta do nariz e avaliou o roceiro.
– O que o senhor sente?
– Ah, dotô. Das morróida num sinto nada.
– Há quanto tempo o senhor tem hemorroidas?
– Morróida num tenho não, dotô. Num disse que num sinto nada?
O médico comprimiu o maxilar na mandíbula, deslizou a mão pelo rosto e prosseguiu:
– Onde dói?
– Dói onde sinto dô.
– E onde o senhor sente dor?
– No corpo todo. Mai mai pior memo é as dor de dente.
– Dor de dente não é a minha especialidade. O senhor deve procurar um odontologista.
– Donto o quê, dotô?
– Odontologista. Dentista.
– Ué! O sinhô num é médico? Custa nada cê dá uma oiadinha.
Escancarou a boca: banguela.
– Como pode sentir dor se não tem dente algum?
O roceiro enfiou a mão no bolso, de onde tirou um lenço encardido que embrulhava a dentadura.
– Óie, dotô. Esse dente quebradinho tá escangaiano as gengiva.
– Meu senhor, o senhor é meu último paciente. Preciso ir embora descansar. Quanto ao dente, nada posso fazer. O senhor sente alguma outra dor?
– Aqui, na barriga. Tôcotestino preso. Tem seis dia que num faço barro.
– Vamos terminar logo com isso. Desgrude dessa enxada e deite na maca.
O clínico apalpou e pressionou o abdômen estufado. A cada toque, o homem ria e liberava gases ruidosos.
– Discurpe, dotô. Comi fejão eovo cozido corepoio.
O médico apressou-se a concluir o exame.
– Meu caso é grave, dotô?
Sem responder, o clínico sentou-se para prescrever o medicamento.
– Dotô, eu vô fica bão?
– …
– Dotô, fala co eu.
– …
– Dotô, eu vô morrê? Eu vô morrê, dotô? Pelamorde Deus! Eu vô morrê?
O médico socou a mesa e gritou:
– Se fizer mais uma pergunta… vai morrer sim.
O roceiro se levantou da maca, pegou a enxada ecaminhou até a porta do consultório. Antes de sair, falou:
– Brabinho, mai bão médico. Tô curado. Antes de picá a mula, um conseio procê: pida pra arguém limpá a maca. Ficô um cardinho lá.