RACISMO NÃO

O dia 13 de Maio, data oficial da abolição da escravatura no Brasil, não é comemorado como o dia da libertação de negras e negros do país. Para lideranças que promovem políticas públicas de Direitos Humanos e dos Movimentos do Povo Negro, ao assinar a Lei Áurea, a Princesa Izabel não editou nenhuma medida para garantir uma sobrevivência digna para os negros e negras sequestrados no continente africano, escravizados durante anos. Foram, simplesmente, retirados das fazendas e casarões e jogados nas ruas com a roupa do corpo e nada mais. Isso contribuiu com a perpetuação do racismo.
A data deve servir como dia de reflexão sobre as reais condições de vida dessa população no Brasil não somente naqueles tempos, mas também nos dias de hoje.

O 13 de Maio é um dia de luta e denúncia contra o racismo e toda e qualquer forma de discriminação étnico-racial que possa subjugar outras pessoas baseadas em sua cor, origem nacional ou étnica que tenha por objetivo anular ou restringir o reconhecimento, em igualdade em qualquer área da vida pública ou privada.

O racismo no Brasil é estrutural e rege quase todas as relações econômicas e sociais no país. No mercado de trabalho, negros e negras além de terem salários mais baixos que os da população não negra, ocupam os postos de trabalho mais precarizados. Eles são a maioria dos desempregados também. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego entre os negros é 71% maior que entre a população branca.

Dados levantados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios (Pnad-Contínua), também do IBGE, mostram ainda que o trabalho desprotegido é realidade para a maioria de negros e negras. Nessas ocupações estão 48% dos negros (homens não negros são 35%) e 46% das negras (mulher não negra nesse tipo trabalho é 34%).

A média salarial para mulheres negras também é inferior, de R$ 1.334 contra R$ 2.060 de mulheres não negras. Para os homens negros a média salarial é de R$ 1.540 contra R$ 2.397 de não negros. Os dados mostram que a mulher negra, principalmente, está na base da pirâmide social brasileira.

Chegamos em 2023 em uma condição que podemos dizer que os trabalhadores não são mais escravizados, mas são relegados a trabalhos escravizadores, e temos visto contínuas denúncias de situações análogas à escravidão.
Lei Áurea para quem? A abolição libertou escravizados e tem seu valor enquanto ato político documental, mas não trouxe nenhum tipo de reparação pelos quase 300 anos anteriores de escravidão. À época já havia um movimento de libertação pelos próprios escravizados, com as lutas dos quilombos pela liberdade e, em especial, pelas mulheres escravizadas que, pelo trabalho forçado, compravam a liberdade de seus filhos e companheiros.

O capitalismo estava em ascensão à época e esse foi um fator preponderante para a Lei Áurea. Naquele momento histórico chegavam os primeiros imigrantes italianos, portugueses e espanhóis, uma mão de obra branca que agradava à elite e favorecia o capitalismo, foram essas pessoas que substituíram a mão de obra escrava, ‘branqueando’ o trabalho.

Paralelamente, havia uma cobrança da sociedade e de abolicionistas e até mesmo da polícia que se rebelou tomando a atitude de não mais ‘caçar’ os escravos fugitivos. Em acordo com os latifundiários que exigiam que a propriedade das terras não sofresse qualquer consequência, a Lei foi assinada, e os negros foram colocados nas ruas.

“Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Todos respiravam felicidade, tudo era delírio”, escreveu Machado de Assis sobre a abolição.

Mas, no dia seguinte, o sentimento daquela população foi de ‘o que nós vamos fazer agora?’. Eles não tinham emprego, não tinham comida, não tinham casa para morar, estavam jogados à própria sorte e nenhuma ação do governo protegeu essas pessoas.
Os homens ficaram à margem da sociedade e tiveram de recorrer a furtos para poderem comer, já que eram hostilizados pela sociedade branca. Daí vem o termo “marginal”, estigmatizado até os dias de hoje e, geralmente usado para se referir a negros.
Para muitos foi uma política de tentativa de extermínio da população negra. Acreditava-se que em 50, no máximo 100 anos, estariam extintos, já que não haveria condições de sobreviver. Essa ideologia, esse racismo, de certa forma, perdura até hoje.

Já as mulheres continuaram a “prestar serviços domésticos para suas senhoras”, porém com uma singela remuneração, ou apenas pela troca de um prato de comida e um teto para abrigar-se. Como o racismo perdurou ao longo dos tempos, a profissão, hoje conhecida como “empregada doméstica”, é ocupada, na grande maioria, por mulheres negras. Registro aqui que este é um termo de cunho racista e deve ser substituído por funcionária, auxiliar do lar, faxineira, já que doméstica vem de domesticar.

As estruturas sociais e a economia do país pouco foram mudadas por causa do racismo, ainda presente na sociedade nos dias de hoje.
Até hoje, temos uma sociedade que lamentavelmente pouco valoriza a luta, os saberes e a cultura da população negra, por isso a necessidade de aprofundar o debate, demonstrar para as pessoas que o racismo estrutura de forma negativa a sociedade. E ainda existem pessoas que realizam ações preconceituosas e discriminatórias com a população negra, ouso dizer que ainda promovem escravidão. Hoje ainda, repito, ainda é dia de luta.

E aí o que fazer? Para acabar com o racismo há que se ter um pacto social. Passa pelas instituições públicas, pelas organizações como movimentos sociais, sindical, pela ação pessoal, pela mídia, pelos patrões, governos, por casa pessoa. Passa pelo cumprimento curricular, já que a educação é caminho para construção social. E, necessariamente, pelo sistema de justiça do Brasil, com tipificação e punição severa de casos de racismo e o encaminhamento destes para adiante.

É necessário que toda população se integre as políticas públicas de reparação, afirmação e promoção da igualdade étnico-racial. Pindamonhangaba aderiu recentemente ao Pacto de Combate ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial e à Rede de Cidades Antirracistas, mas a nossa cidade só será antirracista com o envolvimento e comprometimento de todos desde os atos das diversas instâncias governamentais, legislativo, judiciário e executivo, mas também com o compromisso pessoal de cada cidadão em combater o racismo.

Esse pacto tem que estar enraizado na sociedade. A máxima “não ser racista não basta, tem que ser antirracista”, é uma verdade absoluta. Cada um de nós tem que ter a luta antirracista no cotidiano, através das ações, da conduta, da ideologia, do coração, dos posicionamentos corajosos.

O que você fez para combater o racismo hoje?

  • Cidinha Pedroso, Diretora do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Mulher, Família e Direitos Humanos da Prefeitura de Pindamonhangaba