História : Relembrando a vida na Pinda de 1929
Cronista hóspede da fazenda Coruputuba critica governo municipal da época
Da edição de 3/2/1929 da Tribuna do Norte, página de História traz hoje uma crônica assinada por Brasil Gerson, certamente um pseudônimo usado por alguém contrário à administração do prefeito então em exercício, coronel Benjamin da Costa Bueno.
A importância desta crônica, que já teria sido publicada no Diário da Noite de 31/1/1929, sendo na Tribuna uma republicação, é a de nos permitir uma viagem à antiga Coruputuba. Naquela bucólica Pinda do início dos anos trintas…
Nosso autor, que estaria hospedado na casa sede da fazenda Coruputuba, começa seu artigo comentando a satisfação que era viver naquele lugar para quem, igual ele, vinha da diferente rotina de um morador na capital paulista. Dos movimentados dias de um paulistano, em se comparando com a pacata vida interiorana daqueles tempos…
“A minha primeira dificuldade, ao começar a escrever estas impressões para o Diário da Noite, foi saber o dia do mês em que nós estamos. Desde que cheguei a folhinha e o relógio deixaram de existir para mim. Isto é uma das maiores delícias da vida para quem há quatro anos estava metido dentro da vida complicada das metrópoles”, iniciava .
Para ele, estava sendo “…uma coisa adorável passar uns dias numa grande fazenda paulista”. Era-lhe curioso o contraste apresentado pela propriedade do conhecido “capitão da indústria” Cícero Prado. Comentava sobre o conforto que lhe era oferecido naquele local: “A gente mora num ‘bungalow’ com poltronas de couro, com vitrola, com geladeira, com cigarros ‘Lucky-Strikes’ e com vinhos de Borgonha. Do lado esquerdo do ‘bungalow’, um pouco adiante, um lago”.
A presença da fábrica no cenário, assim destacava: “Adiante do lago uma fábrica de papel que trabalha dia e noite. De noite, as luzes da fábrica se refletem no lago”.
Descrevia a exuberância do verde da fazenda: “E ao redor de tudo isso um arrozal que não acaba nunca. E um jardim cheio de roseiras e de passarinhos enfeitando o ‘Bungalow’”. E retornava aos contrastes: “É a civilização no meio do mato. É o panorama dos contrastes violentos, dos contrastes bonitos”.
Prosseguindo, fala de seus passeios a cavalo. De vencer no lombo da montaria a distância de uma légua e um quilômetro até Pindamonhangaba. A rua de entrada da cidade, antiga estrada Rio-São Paulo, segundo ele, era “a mais esburacada”. Ali, do lado direito, “…há um casarão enorme com uma floresta interminável por traz”.
Estando ele, no início da “Prudente de Morais”, próximidades do chafariz Cônego Tobias, o tal casarão seria o mesmo que se tornaria o prédio da Casa Pia Cônego Tobias.
Ao mencionar o casarão faz jocoso comentário ao prefeito coronel Benjamin Bueno e seu irmão: “Há 150 anos nascia nesse casarão o senhor Dino Bueno, que é o padroeiro da cidade. O prefeito é o irmão dele. Disseram-me que é um pouco mais moço, deve ter uns 132 anos”.
Com o mesmo espírito, compara aquela Pindamonhangaba das primeiras décadas do século XX, que tentava se firmar economicamente, findo os áureos tempos do café: “A cidade parece um velho de barbas brancas dormindo a sesta depois do almoço”.
Em seguida, recorda e critica uma decisão da administração municipal: “Uma vez quiseram construir uma fábrica de papel num terreno baldio ao lado da estação. No terreno pastavam os burros da Câmara. Os burros que puxavam carroças da limpeza pública”.
Conta que a Câmara havia sido convocada pra a discussão referente à concessão da área aos industriais que tinham vindo de fora. Lembra que o prefeito também havia comparecido à tal reunião, mas pra votar contra…
“- Senhores da Câmara – disse ele- pensem bem na gravidade deste problema. Se construirem a fábrica, todas as moças, todas as mulheres vão pedir emprego ao gerente. E nós nos veremos a braços com a questão importantíssima da falta de criadas. E depois – pensai bem senhores da Câmara – onde é que vão pastar os burros da Prefeitura?”. Este teria sido, segundo o cronista, o discurso do prefeito. Daí a resolução da Câmara em não autorizar o terreno na cidade para a fábrica.
“Eu não quis acreditar nessa história que me contaram. Mas todo mundo me garante que ela é a expressão da verdade. E deve ser mesmo, pois Pinda dá a impressão de que não tem quem cuide de suas coisas públicas”, concluiu o cronista Brasil Gerson, então hóspede no bangalô do inesquecível benfeitor do município de Pindamonhangaba, Dr. Cícero Prado.