Lembranças Literárias : Sem Copa… pra que copo?

Altair Fernandes Carvalho

(altairfernandes@hotmail.com)

Vocês conhecem o seu Benedito? Puxa, não conhecem? O seu Benedito é aquele servente de pedreiro que mora lá pras bandas do Crispim. Seu Dito para os mais chegados, tem orgulho de duas coisas: ser chamado de trabalhador braçal e de corintiano. É dos poucos que não faltam ao serviço por qualquer dorzinha de barriga ou por uma gripezinha qualquer, que diz, serem doenças de ricos.
Entra semana e sai semana e o seu batente é das sete às cinco. Tem duas paixões: uma cervejinha aos domingos, já que pelo preço, em ralação ao seu salário que é mínimo pra não morrer de fome e, futebol em qualquer dia.

E se é o seu Corintião que está jogando numa tardinha de trabalho, o seu radinho de pilha estará ligado e, peneirando massa grossa, massa fina ou massa mista, vai acompanhando em imaginação, as peripécias do combate por campos que nunca viu e jamais verá. No dia do jogo entre o Brasil e Itália avisou o empreiteiro, que trabalharia, como todo mundo, só até a hora do almoço. O seu Genaro, aquele sapateiro lá do Santana, caminho de sua casa, lhe convidara para assistir o jogo pela TV, inda por cima, colorida.
– Ei corintiano sofredor! Como vai o Timão?
– Nós vamos bem palestrino! Só que o senhor torce pra time que nem existe mais. Porcaria! Polenta e macarrão. Só isso!
É sempre assim a saudação entre os dois, os quais, no íntimo, são grandes amigos.

Se fosse para um clássico entre Palmeiras x Corinthians, o seu Dito nem teria dado bolas para o convite, isto porque o seu Genaro, como torcedor do Palestra Itália, como ainda chama o Palmeiras, é insuportável. Mas agora não. Tudo é Brasil.
Assim os dois velhos amigos, nervosos, impacientes como milhões de brasileiros desta terra do Tri, mal almoçaram e começaram a torcer e retorcer no meio daquele fatídico dia. Seu Genaro, carinhosamente falou ao seu Dito do “Sócres”, aquele magrão, e lhe lembrou tristemente que lá não havia nenhum do Palmeiras, nem no banco, nem fora do banco, em lugar nenhum. E, magoadamente, falou para que só os dois escutassem: – Eu acho que o Palmeiras que era o meu Palestra acabou mesmo. Deus mio!
Terminado o jogo, não houve alegria do seu Genaro e nem conversa do seu Dito. Houve somente paz entre os dois e uma bruta raiva pelo Brasil afora.

Puxaram as cadeiras devagarinho, se levantaram cansados, sacudiram as cabeças com os olhos no chão, se despediram silenciosos.
Foi nesse pedaço que a Dona Santa, mulher do seu Genaro, que entende bulhufas de futebol, veio carrancuda fazer a arrumação da sala e levou aquele susto: o cinzeiro jogado num canto. Os copos cheios de pontas de cigarro e uma cerveja semiaberta, com a tampinha sobre a boca, chocando, suando e escorrendo água sobre a toalha da mesinha. Nem fora tocada pelos velhos amigos – um corintiano e outro palestrino. O que teria acontecido? Madona! Mama mia!
Até hoje ela não sabe. Só nós sabemos!
Lá se fora a Copa… e sem Copa pra que copo?

  • Revista Placar- Capa Ed. Hist. - Junho 2022. Quito, Tribuna do Norte, 24 de julho de 1982