Proseando : TIQUINHO DE NADA

O fato aconteceu durante as férias, em um verão longínquo. Um amigo me convidou para irmos ao litoral flertar lindas mulheres. Recusei, dizendo que não tinha um real no bolso, que ficaria para outra oportunidade. Ele me convenceu dizendo que assumiria todos os gastos.
No dia seguinte, já estávamos num quiosque à beira-mar, bebendo cerveja e comendo camarão, em companhia de duas obras-primas do Criador: uma loira e a outra, morena.
Ele era do tipo que gostava de contar vantagem, de se exibir. Depois de algumas cervejas, buscou a prancha de surfe e entrou no mar. Pegou uma, duas, três, várias ondas. Surfou fazendo manobras radicais, iguais àquelas quando participava de campeonatos oficiais. Ele era bom. Muito bom.
Entretanto, o exibicionismo excessivo tirou-lhe a concentração e uma onda mais agressiva aproveitou para derrubá-lo. Ele imergiu e, após minutos de apreensão, voltou à tona, acenando. Decifrei os gestos como se dissessem: “Está tudo bem”.
Despreocupados, continuamos a comer, bebericar, rir e a jogar conversa fora, enquanto aguardávamos que ele voltasse ao quiosque. Só depois fiquei sabendo que a onda havia lhe arrancado o calção, e o aceno era para que eu o socorresse com outro traje.
Imaginem-no peladão, no mar, sem saber o que fazer. Contou-me, depois, que a única ideia que lhe surgiu foi sair correndo, com as mãos para o alto, gritando que havia sido atacado por tubarão.
A princípio houve tumulto na praia, mas rapidamente perceberam que se tratava de mentira, pois não havia marcas do referido ataque.
– Tarado! – Gritaram uns.
– Isso é atentado ao pudor! Prendam esse homem!– Gritaram outros.
Por coincidência, no quiosque havia um policial que fora tomar água de coco. Sem pressa alguma, engoliu o último gole, ajeitou o boné e se dirigiu ao meu amigo nu. Ao se preparar para algemá-lo, uma velhinha com os olhos arregalados, interferiu:
– Não prenda o bonitão, policial. Ele disse a verdade.
– Ele mentiu senhora. Não há nenhum tubarão na praia. Não há evidências de ataque.
– O senhor pode provar?
– A senhora, pode? Se provar que o cidadão está falando a verdade, não o prenderei.
– Posso!
Até o meu amigo ficou surpreso com a certeza da velhinha que ajustou os óculos, encheu os peitos murchos, esticou o indicador e disse, convicta:
– Olhe o tiquinho de nada dele. O tubarão deve ter comido mais da metade.